11.10.06

A panela

Eu tinha acabado de tomar banho, era meia-noite e todos em casa já estavam dormindo, antes de ir dormir, fui na cozinha tomar um copo com água como eu fazia todas as noites, naquela noite não seria diferente e quando cheguei na cozinha e acendi a luz, vi a panela... O problema é que a panela estava suja, tudo estava perfeito na cozinha, a louça lavada e guardada, o chão limpo e o fogão também, só havia um problema, a panela suja, foi então que me lembrei que era a panela que eu tinha usado para fazer pipoca.
Vocês devem estar se perguntando, como descobrir os caminhos de Santo Amaro ouvindo a historia de uma panela? Pois esta panela tem muito em comum com a vida de Santo Amaro, é isto que vou contar para vocês.
Lavei a panela, não foi fácil não, aquela era a panela mais difícil do mundo de se lavar e não conseguia entender porque minha mãe guardava aquela panela com tanto carinho, realmente eu não entendia...
Estava enxugando a panela quando vi algo que me chamou á atenção, havia algo escrito na panela, quase se apagando, mas eu consegui ler. Não consegui acreditar que a panela da minha mãe era tão velha assim, fiquei surpreso e peguei meu diário para anotar tudo que estava escrito na panela, algo assim, “Adolpho – 1932”. Resolvi que no dia seguinte pesquisaria tudo sobre a panela de minha mãe.
Segunda-feira acordei cedo e preparado para os desafios que aquela panela me levaria, para mim seria apenas uma simples pesquisa, mas as coisa que aconteceram foram muito mais impressionantes do que eu esperava, tenho certeza que vocês também ficarão impressionados com os mistérios desta panela. Hoje eu conheço Santo Amaro muito bem, mas naquela época eu não conhecia, mas sabia onde fazer uma boa pesquisa, optei por ir na casa da cultura, que hoje é conhecida como “Casa de Cultura Manoel Cardoso de Mendonça”. Peguei a panela de minha mãe, escondido é claro, subi a alameda Santo Amaro passando pelo Largo Treze, passei pelos camelôs da rua Capitão Thiago Luz e cheguei na casa da cultura, demorei um pouco para chegar por causa da multidão andando no meio dos camelôs, mas como todo santo-amarense eu não conseguia ficar sem dar uma passadinha no Largo Treze, e foi isso que eu fiz.
Chegando na Casa da Cultura, o portão estava fechado, tinha um senhor na porta lendo jornal. Foi então que eu imaginei, “se este senhor tiver uns 70 anos e nós estamos no ano 2000, então em 1932 ele já teria nascido, ele poderia me ajudar na pesquisa”.
Passei alguns minutos conversando com o senhor, que era muito simpático, ele era santo-amarense, assim como eu... Conversamos por um bom tempo, ele me contou que era doutor e já tinha feito três faculdades, doutorados e muitos cursos de especialização, foi então que resolvi perguntar a ele.
- O senhor conheceu um tal de Adolfo? Um que vendia panela...
- Você esta brincando garoto...
Eu não estava brincando não, mas depois que fiz a pergunta ao doutor, era assim que as pessoas o chamavam, ele começou a falar como um louco, um tagarela sem igual. Então ele me contou que esse tal de Adolfo era avô dele e que tinha um mercadinho no Largo Treze, e que a avenida Adolfo Pinheiros recebeu este nome em homenagem ao avô dele, realmente fiquei impressionado com a historia, e quando lhe mostrei a panela de minha mãe, ele quase teve um ataque do coração.
- Meu Deus... – Você a encontrou...
Juro para vocês que fiquei assustado, ele fez uma cara de espanto e de felicidade ao mesmo tempo, realmente eu fiquei assustado.
- Essa panela era para ser do meu pai...
Realmente ele estava louco.
- Vem comigo garoto vou te mostrar uma coisa...
Atravessamos a Avenida João Dias e entramos na Biblioteca Presidente Kennedy, que hoje também se encontra com um novo nome, “Biblioteca Prefeito Prestes Maia”.
- Vamos, não podemos perder tempo.
O acompanhei e descemos para o teatro que fica dentro da biblioteca, ele disse para eu o esperar no palco um instante, fiquei esperando e quando ele apareceu, juro pra vocês que tentei me controlar, mas não foi possível e comecei a dar risada, ou melhor, cai nas gargalhadas...
- Esta rindo de que?
- Nada não...
- Então pare de rir.
- É que não consigo...
Aquele fogão fazia parte do acervo histórico da biblioteca, por isso ele não deveria sair de lá, nem foi preciso, impaciente o doutor pegou o fogão, junto com outras quatro panelas, juntou com a panela da minha mãe e se aprontou para a viagem.
- Como é que você vai fazer comida se não tem gás doutor?
Logicamente que eu fiz esta pergunta para deixar o doutor nervoso.
- Espere e Verá...
Quem estava ficando nervoso era eu, o doutor parecia ficar cada vez mais louco conforme o tempo passava.
- Olhe aqui garoto... - Este fogão não é um fogão qualquer, as pessoas achavam que meu pai era louco, porque ele vivia mexendo neste fogão, mas o que elas não sabiam é que este fogão, na verdade é uma maquina do tempo...
Eu já estava dando risadas e quando ele me falou isso, essa historia maluca de maquina do tempo, comecei a rir tão alto, que minha barriga começou a doer.
- Você é louco doutor?
Eu sabia que maquina do tempo não existia, mas fingi acreditar nele só pra ver até onde iria a loucura do doutor.
- Espere um minuto que eu já te explico garoto...
Ele continuou mexendo no fogão.
- Pronto garoto...
Olhei para o fogão, estava tudo normal, tinha uma forma de bolo no forno e cinco panelas na parte de cima, inclusive a de minha mãe, olhei bastante e não achei nada estranho.
- Olha só garoto, cada panela dessa tem um tamanho diferente...
- É claro, uma fica dentro da outra na hora de guardá-las.
- Não me interrompa garoto, estas panelas são de tamanhos diferentes porque cada uma delas representa um continente, só é possível fazer a viagem no tempo com es cinco panelas juntas...
- E esta forma de bolo no forno, para que serve?
- Esta forma... Isto aqui é lixo, eu esqueci de tirar, sorte que você me lembrou... Uma das maiores dificuldades do meu pai foi encontrar a panela que faltava, por coincidência é a panela que estava com a sua mãe.
- Você tem certeza?
- Claro que tenho...
Já estava começando a acreditar no doutor, mas continuava achando ele louco.
- Esta panela foi um presente para o meu pai, mas infelizmente ele nunca recebeu. Seu amigo Dr. Alfred Agache, um Francês que vivia aqui em Santo Amaro foi para a França e prometeu para meu pai que traria esta panela para ele, você já deve ter ouvido falar dele, foi ele quem projetou a represa do Guarapiranga e o bairro de Interlagos e muitas outras coisas aqui em Santo Amaro...
- O que aconteceu para o seu pai não receber a panela?
- Infelizmente o francês foi roubado a caminho de casa, por uns ciganos que levaram a panela dele...
- Minha avó era cigana, minha mãe fala muito nela...
- Depois deste roubo, meu pai nunca mais foi o mesmo, sempre tentando um modo de fazer a maquina funcionar...
- Ele conseguiu?
- Claro que não, mas ele me ensinou tudo sobre a maquina e me fez prometer que se eu conseguisse achar a panela, eu faria uma viagem em homenagem a ele...
- Nossa... Isso tudo aconteceu de verdade?
- Aconteceu sim, agora que temos a panela que faltava, é só colocar a maquina para funcionar. Como eu já lhe falei, as cinco panelas representam os cinco continentes, e foram trazidas por amigos de meu pai que visitavam o mundo inteiro, cada uma delas veio de um continente, elas criam um campo magnético que nos possibilita de viajarmos no tempo...
- porque não voltamos para o ano em que roubaram a panela, pra sabermos quem a roubou.
- É uma boa idéia garoto...
O doutor fez outro ajuste na maquina que estava em perfeito estado e a colocou para funcionar, acertado o ano o mês e o dia, demos inicio a nossa viagem ao passado.
Vocês podem imaginar o que quiserem, que entramos pelo forno ou que abriu-se um buraco no céu e fomos sugados, ou até mesmo que criou-se uma parede de água igual aquelas dos filmes que as pessoas entram por ela e do outro lado esta no passado. Juro para vocês que não foi nada disso, mas infelizmente não vou poder contar como foi, porque eu prometi para o doutor que não contaria a ninguém, mas vou lhes contar tudo que aconteceu na nossa viagem ao passado.
- Chegamos doutor?
- Claro que chegamos garoto...
- Em que ano estamos? Que lugar é este?
- Não sei garoto, fique calmo, vamos achar alguém e perguntar que horas são... É simples.
A viagem ao tempo foi mais simples do que eu imaginava, nada de dor de cabeça, de cair do céu no mar ou de ficar girando num redemoinho, não foi nada disso, mas como prometi ao doutor não contar nada a ninguém, faz de conta que foi em um piscar de olhos.
Olhamos ao nosso redor e vimos mato e árvores, ouvimos vozes e caminhamos na direção delas, o lugar que estávamos, era a biblioteca, quer dizer, era só mato, a biblioteca ainda não estava lá, mas a Casa da Cultura estava, e não era casa da cultura, era mercado municipal e estava cheio de pessoas correndo de um lado para o outro, a avenida João Dias era o maior lamaçal.
- Vamos atravessar a rua garoto...
Atravessamos a rua e a primeira pessoa que vimos, o doutor parou pra perguntar. - Que dia é hoje mesmo?
A pessoa respondeu normalmente e quando se preparava para continuar a andar o doutor fez outra pergunta.
- Que ano mesmo?
A pessoa olhou para o doutor com espanto, mas o doutor fingindo ser biruta fez cara de interrogação.
- Mil novecentos e trinta e dois. Contente?
O doutor balançou a cabeça positivamente, o rapaz foi embora e olhava para traz conforme caminhava.
- O senhor é louco doutor... O rapaz achou você biruta...
- Dei um baita susto nele não é garoto? Essa viagem vai ser divertida a beça...
Era quatro de julho, e as pessoas estavam comemorando o centenário da cidade de Santo Amaro, todos estavam felizes e quando olhavam para eu e o doutor, caiam na risada.
- O circo esta na cidade minha gente?
Era o que diziam, e nós fingíamos ser palhaços enquanto eles riam das próprias piadas e de nossas caras também.
- Vamos fugir logo garoto, antes que joguem tomate na gente...
- Calma doutor, eles estão gostando.
- Vão gostar de jogar tomate na gente também, vamos sair logo daqui rapaz.
Caminhamos na direção do Largo Treze, passando pela Praça Floriano Peixoto que estava maravilhosa, ficamos encantados com a beleza da praça que estava muito diferente dos dias de hoje, o verde das árvores era encantador e a Casa Amarela estava muito bonita, nem as reformas de hoje em dia são capazes de deixá-la como naquela época, passando pela rua Capitão Thiago luz, era notável a falta de camelôs e as pouquíssimas pessoas que por ali passavam, era conhecida como rua Direita, e desde a praça já podíamos ver a torre da Matriz.
Chegamos no largo treze e o relógio da torre marcava Dez horas, mas o que mais me impressionou foi à represa do Guarapiranga que estava muito perto da igreja, não perdi tempo e corri para dar um mergulho, nem a impaciência do doutor em ver o pai me impediu de mergulhar. Enquanto eu nadava na represa, o doutor estava lendo o jornal do dia, que era muito estranho, foi quando percebi uns ciganos bem perto de nós, que também estavam nadando na represa, corri logo para falar com o doutor e resolvemos que assim que achássemos o pai dele, voltaríamos para ver se os ciganos ainda estariam nos arredores da represa.
- Será que uma daquelas mulheres é minha avó?
- Deve ser, mas tem muitos ciganos pela cidade. Você tem foto dela?
- Não...
- Já viu ela em alguma foto?
- Também não...
- Como você vai saber que é ela? Vamos procurar meu pai logo garoto...
Outra coisa que eu não imaginava ver era o famoso bondinho, o interessante é que ele saía aqui da avenida Adolfo Pinheiros, ia até a praça da Sé e vice-versa, foi esse caminho que nós fizemos, pois quando passamos na casa do pai do doutor, nos avisaram que ele estava na Cidade de São Paulo, foi a irmã mais velha do doutor que nos recebeu e nem desconfiou que falava com o irmão mais novo.
Dentro do bonde eu e o doutor ficamos impressionados com as paisagens daquela época nas grandes avenidas de hoje, como a avenida Ibirapuera e a Vereador Jose Dinis, foi quando o doutor lembrou que era aniversario de seu grande amigo de infância, o famoso músico santo-amarense Mario Gennari Filho, que naquele dia estava fazendo dois anos.
- Quem sabe numa próxima viagem eu o visite...
- Boa idéia doutor, mas antes eu quero ir para o futuro.
- Chegamos garoto...
Mal chegamos no centro da cidade e tivemos que voltar, porque o doutor viu o pai dele dentro do bonde que voltava para Santo Amaro.
- Olha o meu pai lá garoto...
- Onde?
- Dentro do Bonde, olha lá...
Voltamos para Santo Amaro e para a casa do pai do doutor, não o encontramos lá, pois ele era um homem de negócios, foi então que descobrimos que ele estava com o tal Francês, o da panela que será roubada, ou melhor, que foi roubada, mas eles ainda não sabiam.
Fomos até o restaurante onde estavam almoçando, era um lugar muito conhecido da época, era o Restaurante Recreio na Represa, e quando chegamos lá, os dois estavam juntos, sentamos perto deles e ficamos ouvindo a conversa dos dois.
- Acabaram de me roubar, e roubaram a sua panela...
Foi tudo que ouvimos, então eu e o doutor saímos desesperados do restaurante para tentar achar os ciganos que roubaram o francês.
Procuramos pelos ciganos por todos os lugares de Santo Amaro, mas não encontramos ninguém.
- Vamos voltar pra casa garoto? Já estou ficando cansado.
- Tudo bem doutor, estou com muita fome e cansado também...
Voltamos para a biblioteca, mas antes passamos no mercado de Santo Amaro e comemos umas frutas, a nossa presença foi notada mais uma vez.
- O circo voltou gente. Olha os palhaços aqui...
Os feirantes voltaram a fazer piadas sobre nossas roupas e desta vez fiquei com medo, pois os feirantes estavam com as mãos cheias de tomate, e todos riam com as piadas, foi um momento de tenção, mas eu e o doutor conseguimos voltar para o nosso tempo á salvos.
De volta ao presente fui correndo para casa, pois estava na hora do almoço, desta vez fiz um outro caminho, para não passar pelo Largo Treze, por causa dos camelôs que com certeza me atrasariam, chegando em casa, notei que o almoço não estava pronto, achei estranho...
- Mãe, cadê o almoço? Eu estou com fome.
- Onde você estava filho?
- Fui na biblioteca mãe, por que?
Minha mãe estava com os olhos cheios de lagrima, e minhas irmãs também, só que as lagrimas delas era por que elas estavam de castigo, tudo por causa do sumiço da panela.
- O que esta acontecendo mãe?
- Jogaram a minha panela fora, de propósito...
Fiquei apavorado, pois eu tinha esquecido a panela na biblioteca, fiquei sem saber o que fazer.
- Foi você filho?
- Eu o que mãe? Não sei de nada...
- Foi você ou não foi?
- O que, a panela?
Naquela hora eu já estava gaguejando, não saía uma palavra de minha boca, fiquei na duvida se falava a verdade ou não.
- Bem mãe, sabe, é que eu...
- Você o que, filho?
Imaginem o grito que ela deu, foi tão alto que fiquei até surdo, minha mãe estava com a faca na mão, naquela hora cheguei até a pensar que ela me mataria por causa da panela.
- Calma mãe...
- Calma nada, cadê a panela?
O segundo grito foi mais alto que o primeiro, fiquei tão apavorado que contei toda a história pra ela, quero dizer, parte da historia, a historia que ela ia acreditar, e ela acreditou, então ela fez o almoço e eu prometi que buscaria a panela no dia seguinte.
- Eu quero a Panela amanhã filho, sem falta.
- Tudo bem mãe...
Foi assim que conheci Santo Amaro melhor, no dia seguinte fui buscar a panela da minha mãe, é claro que eu e o doutor fizemos outra viagem ao passado, e foi viajando com o doutor todos os dias que passei as férias naquele ano, todos os dias indo à biblioteca onde o doutor estava sempre me esperando, é claro que eu levava a panela da minha mãe escondida, que nunca desconfiou de nada, nem mesmo minhas irmãs, que passaram as férias inteiras com raiva de mim, tudo por causa da panela.
Uma panela que foi roubada pela minha avó e passou quase setenta anos na minha família, e ninguém conseguiu descobrir o que significava aquelas palavras dentro dela, isso antes de eu lavá-la, e agora que eu sei o significado, não conto para ninguém, e lhes prometo que esta panela continuara na minha família por muito tempo, pelo menos mais setenta anos...

Autor: Amon Rodrigues Junior

1º colocado na categoria 18 a 60 anos do concurso literario SESC Santo Amaro (Caminhos de Santo Amaro 2006)



3 comentários:

Anônimo disse...

Nossa que imaginacao heim..:D gostei muito de haver encontrado ese blogmvaleu a pena pq passei um tempo distraida sem pensar em tantos problemas que me rodeiam no dia de hoje.

Escrevo desde USA,vivo aqui por 15 anos e ja esqueci a maneira correta de escrever nosso idioma.:)

Hoje eu queria fazer uma viagem no tempo..

Marciavalkiria@hotmail.com

Anônimo disse...

Adorei a história. Muito criativa e engraçada. Não poderia haver um modo melhor para contar a história de Santo Amaro.
Parabéns pelo texto e pela brilhante iniciativa deste blog.
Parabéns a todos que estão envolvidos.
João Rodrigo

Anônimo disse...

ADOREI sua história, Amon!!!

Sou amigo da Claudia Colla. Ela me convidou para vistar o blog, comecei a ler sua história e não consegui parar antes do fim. Parabéns!

Abraço,

Marcelo